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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Fome: quem passou tem medo

Era mês de março do ano de 1987, logo depois do carnaval daquele ano minha mãe foi hospitalizada para tratar de fortes dores resultado de pedras na vesícula. Resolvi interromper minha carreira profissional em uma companhia de pavimentação que havia me transferido de uma obra na cidade de Guaraí-TO para Custódia-PE poucos meses antes. Afinal, copiando o dito popular "mãe de sangue só tem uma" fiquei apavorado ao saber de seu estado de saúde, atravessei quatro estados da federação para vê-la. Naquela época pensei: vai que que Deus a promove para o andar lá de cima, eu eu fico como? (rsrs) Pois bem, após constatar que minha mãe estava sendo muito bem cuidada por uma prima minha que morava na Jardim Caiçara, resolvi viajar de Goiânia-GO a Guaraí-TO (ainda pertencente a Goiás naquela época), mas vejam só o problema ou como diria o dito popular "pepino" minha grana estava bem curtinha, pra falar a verdade tinha quase nada mesmo. Ao chegar na Rodoviária percebi que minha grana dava para uma passagem de Goiânia a Anápolis, não pensei duas vezes, comprei e embarquei, oh viagem rápida! Mal entrei no ônibus pouco depois estava desembarcado... com o dinheiro que sobrara comprei alguns bolinhos, era madrugada fria resolvi aguardar o dia nascer. Enquanto aguardava conversei com algumas pessoas, encontrei alguém em situação de "quebradeira" dureza de bolso igual a minha, resolvemos investir numa caminhada rumo ao norte de Goias. Enquanto andávamos, conseguíamos algumas rápidas caronas que logo nos devolviam à estrada. No segundo dia de viagem meu colega ficou em Santa Tereza onde teria uma promessa de emprego em um posto de gasolina da região. Eu continuei a viagem, acabaram-se os bolinhos, passei a me alimentar de frutas nativas e água que pudesse alcançar à beira da estrada, às noites dormia nos postos de gasolina. Com os pés cansados e uma fome que insistia em ser minha companheira de viagem, considerando o fato de minha timidez em pedir alimento, pedia sim trabalho para conquistar dinheiro e terminar a viagem dignamente, entretanto, ouvi quase sempre a negativa, até entendo que boa parte se dava ao medo da outra parte, que mesmo vendo minha carteira de trabalho em mãos talvez não se sentissem inseguras as pessoas a quem me dirigia pedindo este tipo de socorro, aliás muito se vê por aí quem pede dinheiro descaradamente até mesmo com motivação estranha e que nos intriga. Cheguei no sexto dia, em uma fazenda à beira da estrada próximo à cidade de Alvorada, notei que os trabalhadores estavam fazendo um "roçado" limpando uma área de matas para futuro plantio, resolvi pedir ajuda, insisti em que me deixassem roçar também, mesmo não sendo eu um habilidoso, sem nenhuma experiência no assunto, queria fazer algumas diárias e conseguir dinheiro para seguir adiante. Era próximo do meio-dia, senti um cheiro gostoso de comida. Ah que cheiro gostoso! Para minha surpresa fui convidado a almoçar, foi a primeira vez que alguém se importou em me dar alimento durante aquela caminhada. Sentei à mesa daquele rancho simples, olhei em volta percebi amor, amor Cristão mesmo. Estavam ali pouco mais de seis pessoas entre adultos e adolescentes. Aquela senhora de idade jovem serviu-me um prato de comida simples (arroz, feijão e carne), e eu até que tentei mas não conseguia comer, minha garganta parecia ter-se fechado. Meus olhos se encheram de lágrimas, comecei a chorar discretamente, mas aquelas pessoas sensíveis à minha história também me copiaram no ato de chorar. Aquela jovem senhora certamente deveria ser esposa do mais velho da turma, pegou meu prato de volta e educadamente me perguntou: a quanto você não come um prato de comida? Respondi: estou hoje no sexto dia. Foi ai que ela incrementou aquele prato com bastante caldo. Consegui comer. Agradeci imensamente àqueles humildes trabalhadores que me acolheram por pouco mais que duas horas de seu precioso tempo, pude notar neles ao amor cristão, me devolvendo dignidade do alimento e doando um pouco do que tinham para que eu chegasse ao meu destino. Enquanto andava pela estrada durante aqueles sete dias de peregrinação, mas caminhava que conseguia carona, refleti sobre quantas pessoas andam por ai, e quando passamos por elas muitas vezes não lhes prestamos sequer um olhar atencioso, sentimos medo! Chegamos em nossos lares, encontramos comida mesmo que simples, cama mesmo que simples, teto mesmo que simples. Ao passo que estas pessoas peregrinando também tem seus medos e o principal deles: medo da fome. Precisamos olhar para as pessoas desabrigadas, sem teto, andarilhas, peregrinas com amor cristão, pois quanto a fome só tem medo quem já passou por ela ou ainda convive com ela diante das limitações muitas vezes consequência dos próprios atos, outras de desprezo de familiares. Que Deus tenha misericórdia de nossas vidas!

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